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Arquivo do autor:Santo André em Memória

 

João Ramalho e seu filho

Wasth Rodrigues (Brasil, 1891-1957)
Óleo sobre tela
Museu Paulista, São Paulo, SP

 

 

QUANDO TUDO ACONTECEU…

 
1493 (?): Nascimento de João Ramalho, em Vouzela, distrito de Viseu. – 1512 (?): Sua viagem para o Brasil. – 1514 (?): É aceito pela tribo tupiniquim chefiada pelo cacique Tibiriçá, o qual lhe dá como esposa a sua filha Potira. – 1532: Ajuda Martim Afonso de Sousa a fundar a vila de São Vicente (no litoral do atual Estado de São Paulo). – 1553: Funda e é nomeado Alcaide-mor da vila de Santo André da Borda do Campo, no planalto de Piratininga. – 1554: Ajuda o jesuíta Padre Manuel da Nóbrega a levantar a povoação de São Paulo de Piratininga. – 1560: Mem de Sá, Governador-geral do Brasil, extingue a vila de Santo André e promove São Paulo a vila. – 1562: João Ramalho, com a ajuda de Tibiriçá, comanda a defesa de São Paulo contra o ataque da chamada “confederação dos tamoios”. – 1564: Recusa o cargo de vereador da vila de São Paulo e retira-se para o vale do Paraíba. – 1580: Morre João Ramalho em São Paulo.

 

 


CONFISSÃO

Vossa Reverendíssima insiste ouvir-me em confissão? Compreendo e agradeço o cuidado. Já fiz 87 anos, amanhã vou apagar-me e quereis que eu vá sem mácula à presença do Criador. Porém, nesta passagem, mais temo por vós do que por mim. Explico-me e perdoai-me o doesto: sois muito verde, noviço recém chegado. Sem prévia vivência das terras do Brasil, não conseguireis entender os volteios da minha vida. Ireis ficar escandalizado como escandalizado ficou em tempos o Padre Manuel da Nóbrega, o fundador desta vila de S. Paulo. Chegou mesmo a pregar que petra scandali era toda a minha vida. Mais tarde corrigiu a opinião, mas que o disse, lá isso disse, e quase me excomungou.
Não, Padre, Ramalho é a minha alcunha por causa da minha barba que foi sempre ramalhuda. Maldonado é que é o apelido do meu pai. Nome de cristão novo, achais que sim? Antes de vós, já outros disseram o mesmo e até disseram que a rubrica ou gatafunho com que assino os documentos é um kaf, letra hebraica. Portanto, para eles, marrano fugido ou degredado para o Brasil serei eu. Outros opinam que eu sou apenas um náufrago que deu à costa. Nada disso eu desminto ou confirmo. Padre: mais vale cair no mar fundo do que rolar nas bocas do mundo… Contra correntes adversas, não vale a pena resistir-lhes. Não se perca o fôlego, é deixar que nos arrastem. Só quando começam a enlanguescer é que, num repelão, delas podemos nos safar. E eu safei-me, como estais vendo, pois venho aqui a morrer de velho. Padre, foi por entre duas águas que atravessei a vida.

 


A ILHA DO PARAÍSO

Em Vouzela, onde nasci, despeço-me de Catarina, a minha esposa, e parto para Lisboa. O motivo? Padre: essa é matéria que não vem ao caso. Pecados, se os cometi, foi aqui e não em Portugal, e pecados é o que eu devo confessar. Abalo de Vouzela, coração apertadinho… Suponho, e bem, que nunca mais tornarei a ver a Catarina, pois o meu destino é o Brasil tão distante. Mas, ao chegar a Lisboa, logo me animo. Não só por causa das novas da expedição de Fernando Noronha que, esse sim! veramente cristão-novo e mercador, o que não obstou que el-Rei D. Manuel, o Venturoso, lhe tivesse arrendado as terras de Vera Cruz desde 1502 a 1505 para o abate e recolha de pau-brasil, então muito procurado para a tingidura de panos. E foram 20 mil quintais que renderam 5 por 1. Pensei que o nome do pau-brasil lhe viesse da cor de brasa, mas um marinheiro bretão, com quem fiz amizade, conta-me que na sua terra, e na sua língua, corre a antiga lenda que O’brazil é o nome verdadeiro da Ilha do Paraíso, e que tinham sido os afortunados portugueses a descobri-la, e por isso está ele em Lisboa na esperança de poder ser engajado numa viagem ao Paraíso.
Arribo a esta costa do Brasil em 1511, talvez em 12, ou 13, não sei ao certo, com tantos anos em cima do lombo a memória já me vai falhando. Bem acolhido sou por António Rodrigues, o degredado português a quem todos chamam, ou chamavam, o “bacharel de Cananéia”, e que há muito tempo vive entre os índios tupiniquins da beira da praia. Apadrinha-me e logo me parece que demandei veramente o Paraíso pois, ao acolherem-me, os índios começam por me dar mulher nova, escorreita e muito limpa, e eu estou na casa dos 20 anos, deslumbramento…

 


NUDEZ E MALÍCIA

É o que eu temia: Vossa Reverendíssima já começa a benzer-se e a apostrofar-me por ter caído eu em pecado mortal, que é o da fornicação e luxúria. Segui o ditado em Roma sê romano e confesso que, entre os índios, índio fui. Para eles, pecado é recusar o que a natureza prazerosa manda colher. Vossa Reverendíssima escandaliza-se com a nudez das mulheres nativas e desvia os olhos para não mirar aquilo a que chama suas vergonhas. Mas se malícia existe não será nelas, pois com inocência revelam os corpos que Deus lhes deu, tal como vós mostrais a nudez das vossas mãos. E mais vos digo que assim desnudas são elas mais discretas e modestas do que as ataviadas damas do Paço e nem sequer estou a compará-las com as marafonas que, vestidas da cabeça aos pés, andam em requebros pelas ruas de Lisboa. Quanto ao relacionamento que estas índias têm com os homens, procedem elas com a mesma naturalidade e prazer com que se refrescam e matam a sede com a água de coco.
Uma coisa de comum têm as nativas com as reinóis: a vaidade. Mas enquanto as de lá gastam os dias a escolher tecidos, brocados e roupas com que pensam adornar-se, estas daqui passam o tempo a fazer cocares com penas de aves e a fantasiar desenhos e motivos com que irão pintar os corpos umas das outras. São elas também que pintam, com mão firme, a geometria que se espalha sobre os corpos de rapazes e guerreiros. Tintas preparadas com barro, resinas e sumos de frutas. Portanto pinturas que duram apenas até ao próximo banho. Porque estes índios são muito asseados, chegam a tomar um, dois, ou mesmo três banhos por dia. São muito diferentes dos portugueses, que fedem como os porcos que trouxeram do Reino.

 


POTIRA E TIBIRIÇÁ

Vinda do planalto de Piratininga, um dia baixou à praia Potira, cujo nome quer dizer flor. Não sei por que os portugueses insistem em chamá-la de Bartira, já que o seu nome verdadeiro é Potira… Índia jovem, quase uma menina, esbelta, verdadeira flor de manacá. Boto os olhos nela e quedo logo embeiçado. Afaga-me as barbas, ri-se do meu enleamento e vai-se embora. Resolvo segui-la. Por veredas que descubro ou invento por entre o mato grosso da encosta íngreme, trepo pela serra de Paranapiacaba acima. Aquela a que ides chamando Serra do Mar. Potira é filha de Tibiriçá, cacique de Inhapuambuçu, a principal taba ou aldeamento dos campos de Piratininga. Também o cacique parece gostar de mim. Espanta-se com a minha barba ramalhuda e diverte-se com a minha forma de falar a sua língua. Adopta-me e dá-me Potira em casamento. Antes de construir a minha oca, ficamos provisoriamente a viver na maloca, ou palhoça colectiva, do meu sogro. Promiscuidade? Saiba Vossa Reverendíssima que homem nascido numa maloca não pode casar ou ter conjunção carnal com mulher nascida na mesma maloca e todos aceitam voluntariamente esta lei. Portanto, promiscuidade não é, mas outra forma de vida muito diferente daquela a que os portugueses estão acostumados.
Na maloca de Tibiriçá vivem, entre homens, mulheres e crianças, umas duzentas pessoas. Está dividida em várias secções, em vários lares, e em cada lar um homem com as suas mulheres e os seus filhos. Entre os moradores da maloca não há segredos e o que pertence a um pertence a todos. E o mesmo altruísmo estende-se aos moradores das seis malocas vizinhas, e aos dos outros aldeamentos mais à frente porque, por casamentos cruzados das mulheres de um grupo, ou maloca, ou taba, com homens de outro grupo, de outra maloca, de outra taba, todos eles são parentes, e assim toda as tribos de uma mesma nação que ocupa um território por vezes maior do que o de Portugal, vivem em amizade e harmonia.
Sim, Padre, confesso que mulheres tive e tenho muitas, pois todos os caciques queriam e querem ser meus parentes. Mas a esposa principal é Potira. Respeitada pelas demais, na minha maloca a sua rede fica sempre armada junto à minha. De Potira e das outras tenho muitos filhos e filhas. Os meus meninos mestiços… Ou caribocas, como dizem os índios; ou mamelucos, como dizem os portugueses; mas esta é palavra árabe que perdeu o rumo, porque significa pajem, escravo ou criado e os meus filhos nunca foram nem meus pajens, nem meus escravos, nem meus criados, embora outros caribocas, que não os meus, tenham sido tudo isso para outrem que não eu. Os meus caribocas andam por aí desde as praias de S. Vicente, Bertioga e Itanhaen até aos campos de Piratininga, a dar-me força e prestígio pois casaram e tiveram filhos e netos que, por sua vez, também se casaram, e por isso me tornaram parente de quase todos os tupiniquins. De mim alguém disse (e não mentiu) que, se necessário, num só dia eu poderia reunir à minha volta 50 mil homens. E reuni, não foram precisos tantos mas uma vez eu reuni largos milhares e por isso o Padre Manuel da Nóbrega até me ficou muito agradecido. O caso aconteceu lá pelos idos de 1562, depois eu conto.
Se tudo isto é pecado, então, Padre, eu pecador me confesso. Mas bater no peito eu cá não bato, nem faço acto de contrição. Não podeis, por isso, absolver-me, nem dar-me a extrema unção? Sossegai pois, na Sua omnisciência, saberá Deus Nosso Senhor entender e perdoar os volteios da minha vida… Padre, o que fiz nesta vida, nesta vida eu não renego. E na outra, a ver vamos…

 


FUNDAÇÃO DE SÃO VICENTE

Padre: em 1532, tenho eu uns 40 anos, ouço a nova que várias canoas grandes (assim os índios chamam às naus) com homens brancos a bordo, tinham fundeado junto à praia. E que António Rodrigues, o “bacharel de Cananéia”, em vão tentava interpor-se entre índios e brancos, guerra à vista. Com os meus homens desço a serra, chego à praia. Comanda a expedição Martim Afonso de Sousa, a quem el-Rei D. João III concedera donataria com cem milhas de costa e todas as terras que houvesse dentro, limitadas a norte e a sul por duas paralelas ao Equador.
Se, por um lado, eu sou respeitado chefe tupiniquim, por outro português continuo ainda a ser. A nadar assim por entre duas águas, só a paz poderá sossegar o meu tormento e trato de promovê-la. Em tupi discurso para os índios e em português para os lusos. Digo-lhes que os brancos ocupem o litoral, mas que deixem os índios continuar nas suas fainas de pesca. Que uns não molestem os outros. Que iniciem o escambo do que uns têm a mais e outros a menos, e todos alcançarão seus proveitos. E assim se faz. Martim Afonso de Sousa e os seus dão 6 anzóis e 2 cunhas por 80 patos, e 2 cunhas grandes mais 20 punções e 4 tesouras por 2 antas, e 5 cunhas mais 5 anzóis por 5 cargas de milho, e 100 facas por 200 rolas, e 15 cunhas mais 15 anzóis médios por 15 veados, e 40 cunhas mais 12 tesouras e 52 anzóis por 52 cabaças de mel em favo, e 2 tesouras mais 25 punções e 24 anzóis por 26 cargas de ostras. Portugueses e tupiniquins ficam todos muito contentes com o escambo, pois os brancos estão muito carenciados de mantimentos e, para os índios, ferramentas de ferro é algo de milagroso.
Mais se firma a paz e a boa amizade quando eu facilito mulheres para os portugueses solteiros e as cunhantãs até quedam muito felizes com o arranjo pois num repente melhoram de vida. Padre: podeis excomungar-me mas atentai que alcoviteiro não fui eu, porém apaziguador de vendavais.
Com António Rodrigues e os meus filhos caribocas e muitos outros tupiniquins, ajudo os portugueses de Martim Afonso de Sousa a construir casario de pedra e cal, também a igreja matriz e assim rompe a vila de São Vicente.

 


ESCRAVIDÃO

Então, nos campos em redor de São Vicente, os portugueses começam a plantar cana de açúcar e a levantar engenhos e pedem-me que lhes forneça escravos para os trabalhos da lavoura. Os tupiniquins não sabem o que isso seja, mas sei eu. Nas guerras que mantínhamos com os tamoios e outros tapuias, fazíamos muitos prisioneiros. E então ponho-me a pensar que mais vantajoso será vendê-los aos portugueses do que comê-los, costume que veramente me dá a volta ao estômago e à alma. Tento conciliar o inconciliável e assim ajudo a abrir as portas do inferno em que hoje vivem todos os índios, os tapuias mas também os meus tupis, porque os portugueses, a partir do momento em que passam e ter índios como escravos, e não querendo distinguir tupis de tapuias, acham que todos os índios devem ser escravos seus… Padre, por ora não estou a falar de vós nem dos outros missionários jesuítas, mas daqueles portugueses que vêm do Reino ao Brasil com a ambição de fazer fortuna rápida e logo tornar à pátria. Deles também se queixa o Padre Manuel da Nóbrega. Um dia ouço que se lamenta, embora aos solavancos, pois tartamudo é ele:
– De quantos vieram lá do Reino, nenhum tem amor a esta terra. Todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja à custa da terra, porque esperam de se ir. Não querem bem à terra, pois têm a sua afeição em Portugal; nem trabalham tanto para a favorecer, como para se aproveitarem de qualquer maneira que puderem.
Mas doutra ouço que assopra aos missionários:
– Se el-Rei quer ver os índios todos convertidos, pois deve mandar sujeitá-los. Deve haver um protector dos índios para os fazer castigar, para não deixá-los comer carne humana, nem guerrear sem licença do Governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se pois têm muito algodão, fazê-lo viver quietos sem se mudarem para outra parte.
E eu já não sei, Padre, já não sei qual é a pior sujeição: se a física ou a mental.

 


COMEDORES DE CARNE HUMANA

Sim, Padre, confesso que, embora a contra gosto, também eu fui um comedor de carne humana, em Roma sê romano. Não fique Vossa Reverendíssima horrorizado que eu sei de horrores maiores cometidos lá no Reino. Quando, numa guerra, os tupiniquins aprisionam um tapuia, não tratam mal o prisioneiro, até antes pelo contrário. Dão-lhe de comer e beber, tudo quanto queira. Chegam mesmo a dar-lhe mulher que em tudo o serve. E quando amanhece o dia marcado para o sacrifício, empunhando o tacape, que é um pilão de guerra, o carrasco aproxima-se da vítima e diz-lhe:
– Sim, vou matar-te, pois a tua gente também matou e comeu muitos dos meus.
Se o tapuia não tremer, não desfalecer de medo, se for homem de coragem, responderá:
– Depois que eu for morto, os meus irão vingar-me, tu vais ver.
Então o carrasco, com o tacape, acerta-lhe uma pancada na nuca e assim é morto o prisioneiro. Só depois começam a assar-lhe o corpo. E se ele foi homem de coragem, mais disputada é a sua carne, porque todos pensam partilhar assim de tal coragem.
Padre, não me comove a vossa repugnância pois eu sei que no Reino agora a voga é, em nome de Deus, prender judeus e cristãos-novos, é torturá-los até lhes partirem os ossinhos todos, é levá-los ainda em vida à fogueira, o que é grande maldade que não se usa por aqui. Assam-nos em vida e depois nem sequer os comem, desperdício.

 


SANTO ANDRÉ DA BORDA DO CAMPO

Padre: em 1553, aproximadamente 20 anos depois de Martim Afonso de Sousa se ter ido embora, e estava eu com mais ou menos 60 anos, o seu primo Tomé de Sousa fundeia as suas naus ao largo de São Vicente. Mas vem como Governador-geral do Brasil, porque el-Rei tinha acabado com as donatarias, pois das 15 só 2 tinham resultado: a de São Vicente, por esforço meu, e a da Bahia por esforço de um Diogo Álvares Correia, a quem os tupinambás, com os quais vivia, chamavam Caramuru.
Junto com Tomé de Sousa vinha o jesuíta Padre Manuel da Nóbrega, com a missão de evangelizar os tupiniquins. Antipatiza logo comigo e quase me excomunga, já vos disse. Mas, em abono da verdade, devo acrescentar que, anos depois, para me safar de pecado mortal, tentará casar-me com Potira. Aviso-o que tenho mulher legítima no Reino. Escreve para Vouzela a saber novas de Catarina, se ainda é viva ou já finada. Não vem resposta. Na dúvida, manda que eu acabe com a mancebia. Recuso, repudiar Potira eu cá não repudio. Para escândalo do Padre decido continuar a viver em pecado mortal…
Este Tomé de Sousa é homem decidido. Para evitar incursões dos corsários franceses que infestam as costas do Brasil, manda construir um forte na barra de Bertioga. E para congregar os colonos que andavam esparsos pelo litoral ao sul de São Vicente, manda edificar a vila de Conceição de Itanhaen. Depois, para sustar o comércio dos moradores de São Vicente com os castelhanos de Assunção do Paraguai, na serra de Paranapiacaba cega as veredas de acesso ao planalto e decide construir, lá no alto, uma vila cuja guarnição impeça a passagem dos mercadores num e noutro sentido. A medida revolta a população de São Vicente que tem os seus interesses em tal comércio, mas foi pensado assim e assim se faz. E, contra a opinião do Padre Manuel da Nóbrega, sou eu o indicado para, lá na boca do sertão de Piratininga, fundar a vila de Santo André da Borda do Campo. Também sou o seu primeiro e único Alcaide-mor, pois a vila será extinta em 1560 pelo novo Governador-geral Mem de Sá.

 


SÃO PAULO DE PIRATININGA

Saiba Vossa Reverendíssima que, apesar da má vontade do Padre Manuel da Nóbrega, em 1554 ajudo-o a fundar São Paulo de Piratininga, povoação que Tomé de Sousa mandara levantar. Sempre esta minha mania de nadar por entre duas águas, conciliação… Santo André e São Paulo, duas povoações tão próximas uma da outra, mas porquê? Um capitão, que é muito meu amigo, pois muito lhe facilitei a vida junto dos tupiniquins, comete inconfidência e mostra-me o Regimento de D. João III para Tomé de Sousa. As instruções são claras:
“Será grande inconveniente os gentios, que se tornaram cristãos, morarem na povoação dos outros e andarem misturados com eles; e será muito serviço de Deus e meu apartarem-nos da sua conversação. Encomendo-vos e mando que, os que forem cristãos, morem junto, perto das povoações das ditas capitanias, para que conversem com os cristãos e não com os gentios, e possam ser doutrinados e ensinados nas coisas da Santa Fé; e aos meninos, porque neles imprimiram melhor a doutrina, trabalhareis por dar ordem como se façam cristãos e que sejam ensinados e tirados da conversação dos gentios.”
Tomé de Sousa não pensava povoar o planalto. São Paulo, com o seu Colégio, e com o seu Padre Anchieta que tão bem aprendeu a falar tupi que até nessa língua faz hinos e poemas, era apenas um aldeamento para a evangelização dos índios.
Já Mem de Sá, terceiro Governador-geral do Brasil, é um pau de dois bicos. Começa por proibir escravizar os índios. Mas, ao mesmo tempo, manda desimpedir as veredas de Paranapiacaba e em 1560 extingue a Santo André dos meus guerreiros tupininquins (e de escassos peões portugueses) e promove São Paulo a vila. É um nebuloso convite aos aventureiros, porém convite: subam ao planalto a caçar índios! E eles começam a subir, ó se começam… E são perigosos, devastadores, pois os portugueses facilmente se adaptam a tudo: se não há farinha de trigo pois coma-se a de mandioca, se não há uvas pois comam-se jabuticabas, se não há bagaço de vinho pois beba-se aguardente de milho, se não há colchões pois durma-se em rede, se não há putas brancas pois fodam-se índias! Desleixados, sem planos prévios levam tudo a eito, dispostos apenas ao trabalho de pôr os outros a trabalhar para eles, sequiosos que estão de honrarias e riquezas…
Atormentado, rolado entre duas águas, com os meus tupiniquins abandono a extinta vila de Santo André e retiro-me para o sertão.

 


A “CONFEDERÇÃO” DOS  TAMOIOS

Tantas atrocidades são cometidas que bastam apenas dois anos para unir todas as tribos dos tamoios, desde Bertioga ao Cabo Frio, e até mesmo ao vale do Paraíba… E eis uma nação de índios congregada para arrasar São Paulo, com todos os seu moradores, homens de armas, padres, artesãos, mercadores e senhores de engenho, o povo todo… Em desespero de causa o Padre Manuel da Nóbrega manda-me pedido de socorro. Atendo, é a pecha do costume, as duas águas… Com Tibiriçá, o meu sogro, em dois dias reuno milhares de homens. Em 1562 há lutas, escaramuças, guerras e morticínios, mas os tamoios não conseguem entrar em São Paulo. Sou eu quem comanda toda a defesa. Assim o querem os portugueses, assim o faço.
Depois os Padres Manuel da Nóbrega e Anchieta entram a parlamentar com os tamoios. Dão razão às suas queixas e prometem-lhes que os brancos não mais irão prear índios porque eles, Padres, são contra a escravização. Os tamoios acreditam que assim vai ser. Em 1563, em Iperoig, os Padres e os tapuias fazem a paz. Coitados de tapuias e tupis…

 


MEDITAÇÃO

 
Em 1564 oferecem-me o cargo de vereador de São Paulo. Recuso e, com os meus homens, retiro-me para o vale do Paraíba. Por lá fiquei até hoje, já lá vão 16 anos. Tive muito tempo para meditar sobre as duas águas em que andei e ando sempre a rolar.
Padre: o índio segue a natureza, o português luta contra ela. Quando, por causa das queimadas, se esgotam as suas terras, o índio abandona-as, procura e desbrava outras e tantas há que parecem não ter fim… Constrói uma nova taba ou aldeamento, reconhece o novo território de caça. Para apanhar pacas, capivaras, tamanduás, coatis e outros bichos, coloca as armadilhas nos trilhos novos. Nos rios que descobriu observa a que pegões vão os lambaris e outros peixes em cada época do ano. O índio está sempre a mudar de lugar, para ele não tem sentido a casa de pedra e cal. Também não tem sentido a acumulação de víveres, pois o calor apodrece-os. Conhecendo a natureza como conhece, em cada momento dela vai retirando o que precisa. Já a ambição do português, habituado à penúria dos seus Invernos, é acumular, de tudo, o mais que possa, em tempo curto, cereais e frutos secos, conservas em azeite, ou fumeiros, ou salgadeiras de carnes e peixes. Nem os índios conseguem entender os portugueses (aos quais chamam de loucos), nem os portugueses conseguem entender os índios (aos quais chamam de selvagens). Padre: olvidei estas diferenças, quis conciliar o inconciliável e o resultado é o que se vê.
Reparai agora que todas as tribos de fala tupi, que ocupam a faixa litorânea desde o norte do Brasil até ao rio da Prata, por causa dos casamentos cruzados e alargados, são todas elas aparentadas. Só mais para o interior é que vivem e reinam as outras tribos ou nações tapuias, que são dezenas, se acaso centenas não forem elas. Até parece que Deus Nosso Senhor, ao espalhar os tupis pela costa do Brasil, quis preparar a entrada dos portugueses, pois a estes bastou-lhes aprender apenas mais uma língua, para se fazerem entender de norte a sul em tamanho território.
Vossa Reverendíssima não torça o nariz porque, embora os portugueses sejam os novos donos do Brasil, aqui a língua portuguesa é como o latim, lá no Reino, só poucos a falam. Aqui, a língua-geral é o tupi, embora corrompido pela língua portuguesa, porém tupi ainda. E até a língua portuguesa que algumas criancinhas aprendem no Colégio (não nas ocas ou malocas) vai sendo corrompida pelo tupi. Vossa Reverendíssima, em Coimbra, falava um português impecável. Aqui já vai dizendo urubu em vez de abutre, mirim em vez de pequeno, saúva em vez de formiga, capim em vez de forragem, jabuti em vez de cágado, arapuca em vez de armadilha, catapora em vez de bexigas, jararaca em vez de cobra, e tantas mais…
E eu pergunto-me se as facilidades que os povos de língua tupi deram aos portugueses, estão a ser devidamente retribuídas pela forma como estes tratam aqueles. Não, Padre, não estou a falar apenas da sujeição física, mas também daquela outra que promoveis com a evangelização dos índios, esse vosso trabalho de sapa das suas antigas crenças e tradições, afinal suas referências para a vida ter sentido e apetecer. Estou a falar dos muitos milhares de índios que, em consequência, vão perdendo a vontade de viver e de resistir à opressão dos brancos. Bem sei que anjos, não homens, é o que vós, jesuítas, pretendíeis fabricar nos vossos aldeamentos. Mas vejo que não haveis conseguido nem uma coisa nem outra, apenas mortos-vivos.
Padre: estou velho e prestes a apagar-me. Português nasci e só ambiciono, na hora da morte, ouvir falar a minha língua natal. Só por isso tornei a esta vila de São Paulo, é ainda esta minha pecha das duas águas…
Padre: se tudo o que digo vos parecer blasfémia, pois relevai as patetices de um velho senil que a vós chega amparado pelos seus caribocas, e tratai de encomendar-me a alma a Nosso Senhor, deus dos brancos, que um pajé, antes do meu retorno, já a encomendou a Tupã, deus dos índios.


FERNANDO CORREIA DA SILVA

Escritor português (1931 – 2014)

 

Oswaldo Gimenez, prefeito de Santo André, o primeiro chefe de um poder executivo no Brasil a ser cassado pelo legislativo local.

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Oswaldo Gimenez (à direita) ficou um ano e dez meses à frente da Prefeitura de Santo André.

Em 1961, a Câmara Municipal de Santo André daria início ao primeiro processo de impeachment ocorrido no Brasil. Era o prefeito de Santo André, Oswaldo Gimenez, que acusado de diversos crimes como nomeação de parentes, aquisição de materiais sem licitação, não publicação de balancetes mensais pela imprensa oficial, entre outros, provocou a ira de diversos setores da sociedade local. A importância do caso aponta também para uma divergência histórica que pouco se ouviu falar à época, quando alguns jornais e tevês noticiaram o caso do ex-Presidente Fernando Collor como o primeiro impeachment de um chefe do poder executivo ocorrido no Brasil. Porém, os registros históricos desvendaram este equívoco e o DIRETO DA HISTÓRIA traz em primeira mão o documento que irá confirmar que o primeiro caso de impeachment no Brasil foi, de fato, o do prefeito de Santo André, Oswaldo Gimenez e não o do ex-Presidente da República Fernando Collor. Mas antes de tratarmos do documento, é importante apontarmos os fatos que levaram ao impeachment de Gimenez sem deixar de destacar, mais uma vez, a importante participação do Ministério Público Federal na história de nossa nação com a atuação efetiva do Procurador da República, Dr. Olavo Drummond.
O prefeito, Oswaldo Gimenez, logo após assumir o cargo, se indispôs com diretores, funcionários municipais e a maior parte dos vereadores do município. As divergências ultrapassaram a Administração Pública e envolveu vários setores da sociedade civil como as sociedades amigos de bairros, os clubes sociais, os sindicatos e a imprensa. Armando Gaiarsa, historiador, definiu o estilo político de Gimenez à época:
ele tinha um espírito dominador e senhor absoluto do poder e ameaçava de demissões em massa de acordo com o que rezam os estatutos dos funcionários. Os ataques contra a edilidade (Câmara Municipal) eram constantes, numa verdadeira alucinação, como se estivesse sendo acuado como fera, por caçadores impiedosos”.

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Manifestantes exigem a saída do prefeito.

Neste contexto e diante da pressão da opinião pública, no dia 2 de outubro de 1961, a Câmara Municipal de Santo André decretou o afastamento do Prefeito Oswaldo Gimenez, por 120 dias, em razão de indignidade e improbidade no exercício do cargo e incapacidade administrativa.

Gimenez não aceitou o destino político referendado pela Câmara Municipal e o jornal Folha de São Paulo, em janeiro de O parecer do Procurador da 1962, publicou sua defesa:
“A sessão da Câmara durante a qual foi decretado o meu afastamento, não passou de uma farsa, pois o processo de impeachment era um tijolo quente nas mãos dos vereadores, e os mesmos tudo fizeram para se desfazer daquele incômodo. Devo participar ao povo de Santo André e de São Paulo que me encontro perfeitamente sereno, pois que recorreremos da decisão ilegal da Câmara ao Poder Judiciário, no qual confiamos plenamente. Vereadores dizem que a Justiça votará contra, como se a Justiça fosse uma Câmara de Santo André, ignorando os edis que os tribunais julgarão o mérito, não lhes interessando o ódio e a paixão política, peculiar entre os vereadores de Santo André”.

 

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População andreense vai ás ruas pedindo a saída do prefeito Oswaldo Gimenez.

O prefeito de Santo André, Oswaldo Gimenez, teve seu destino selado em 05 de janeiro de 1962, quando a  Câmara Municipal reuniu-se extraordinariamente para o julgamento público do ex-prefeito que não compareceu para ouvir seus algozes. Após 30 horas ininterruptas de uma sessão de acalorados debates a favor e contra o impeachment do ex-prefeito, o presidente da Câmara de Vereadores e Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, Cid Flaquer Scartezzini, decretou a cassação do mandato de Gimenez por 21 votos a favor e somente três abstenções.
Oswaldo Gimenez ainda tentou salvar seu mandato, impetrando um mandado de segurança contra o ato da Câmara Municipal junto a 1.ª Vara Civil de Santo André, mas foi denegada a medida liminar. Então, recorreu junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo que por votação unânime, também negou provimento ao agravo de petição. O cargo de prefeito passou a ser ocupado pelo vice-prefeito José Silveira Sampaio. Dois meses depois, a Câmara Municipal de Santo André cassou também seu irmão, o vereador Armando Gimenez, por conduta incompatível com o decoro parlamentar. Oswaldo Gimenez, em 1969, vendeu sua emissora e passou a dedicar-se à indústria da família. Em 1976, ele foi novamente candidato a prefeito pelo PMDB, mas foi derrotado por Lincoln Grillo. Faleceu em 1989.

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No dia 07 de janeiro de 1962, o jornal “News Seller” (antigo nome do Diário do Grande ABC) contava o desfecho do caso.

O parecer do Procurador da República Olavo Drummond no caso Oswaldo Gimenez.

A história de Oswaldo Gimenez na política, de fato, não foi fácil. Em novembro de 1964, o eminente Procurador da República, fiel amigo de Juscelino Kubitschek e fundador do Memorial JK, Olavo Drummond, irá manifestar-se no Recurso Eleitoral Nº 371 impetrado por Oswaldo Gimenez perante o Supremo Tribunal Federal – STF. Gimenez, após ter sido cassado como prefeito de Santo André, pretendia se candidatar ao cargo de Deputado Estadual pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE impugnou o registro de sua candidatura sob o argumento de que, no exercício das funções como prefeito de Santo André, ele havia cometido diversas irregularidades e crimes que resultaram na decretação de impeachment e suspensão de seus direitos políticos, por 5 anos, por força da decisão da Câmara Municipal. Para o Procurador da República, Olavo Drummond, não havia razões para impugnação da candidatura de Gimenez pois a Justiça não o havia condenado criminalmente e tal impugnação afrontava diretamente o art. 135 da Constituição Federal de 1946 que trazia: “ Só se suspendem ou perdem os direitos políticos nos casos deste artigo. § 1º – Suspendem-se: I – por incapacidade civil absoluta; II – por condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos” (grifo nosso).
Mas não foi esse o entendimento do TSE que reconheceu o caráter amplo do artigo 2º da Lei 3.258 que dizia: “Os crimes definidos nesta Lei, ainda quando simplesmente tentados, são
passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos para o exercício de qualquer função”.
Olavo Drummond tinha posição divergente. Em seu parecer argumentou que o poder das Câmaras Municipais de suspender direitos políticos no âmbito estadual e federal era extremamente perigoso. Para o procurador, poderiam as Assembleias locais obstar direitos políticos de qualquer cidadão, “tudo isso, sem condenação criminal”. Para reforçar seus argumentos Olavo Drummond invocou o princípio da tripartição dos poderes dizendo que em tais casos poderiam as Câmaras Municipais tornarem-se legítimos colégios de juízes que afetariam todas as esferas da vida política nacional com suas decisões, implicando no reconhecimento de pequenos tribunais partidários. Dizia Olavo Drummond: “O princípio da harmonia e independência dos poderes estaria irremediavelmente comprometido, pois o prefeito teria que se dobrar à permanente ameaça do conselho municipal”. Reforçando sua tese, Drummond entendeu ainda que o TSE deu à Câmara Municipal a autoridade de invalidar toda a diligência do processo de registro da candidatura e colocou uma decisão da Câmara como hierarquicamente superior à deliberação do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo que
havia autorizado o registro da candidatura.
Finalizando seu parecer, Drummond pediu ao Supremo Tribunal Federal a rejeição ao art. 2º da Lei 3.258, por sua inconstitucionalidade, e em benefício da harmonia e independência entre os poderes. Observou também que deveria ser levado em conta o despreparo dos membros dos legislativos locais pois existia um incômodo em vincular os intuitos políticos de um prefeito ao partidarismo exacerbado. O parecer foi assinado por Olavo Drummond, Procurador da República, e aprovado por Oswaldo Trigueiro, Procurador Geral da República, em 10 de novembro de 1964.

O DIREITO HOJE – Como ficaria o caso de Oswaldo Gimenez com a legislação eleitoral atual? 

No ordenamento jurídico atual Oswaldo Gimenez poderia ser julgado politicamente, o que realmente aconteceu ao ser julgado pela Câmara Municipal de Santo André, como também poderia ter suspenso seus direitos políticos por improbidade administrativa. A Constituição Federal de 1988, estabelece no § 4° do art. 37, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. Como vimos, a Constituição de 1946, vigente à época do histórico acontecimento, não previa a possibilidade da suspensão dos direitos políticos por improbidade administrativa mas tão somente por incapacidade civil absoluta ou por condenação criminal enquanto durassem seus efeitos. O dispositivo constitucional da Carta de 88 representou um verdadeiro avanço em termos de trato com a coisa pública se compararmos as duas Cartas Constitucionais. Entretanto, a Constituição Federal de 1946 já tratava do enriquecimento ilícito, que é uma das modalidades da improbidade administrativa, e dispunha no seu art. 146, § 31, in fine, o seguinte: “a lei disporá sobre o sequestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”. Portanto, já se pretendia, à época, dar um tratamento mais severo àqueles que se utilizavam da máquina pública em proveito próprio.

Você sabe o que significa  ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA?

Segundo De Plácido e Silva¹, o termo improbidade tem origem no latim “improbitas”, indicativo de má qualidade, imoralidade, malícia, revelando a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. Improbidade é a qualidade do ímprobo. E ímprobo é o mau moralmente, é o incorreto, o transgressor das regras da lei e da moral. É possível definir improbidade administrativa, portanto, como sendo a falta de honestidade e de moralidade do administrador, que pratica atos indignos, indecentes, incorretos e imorais, transgredindo normas legais e administrativas.
A Lei 8.429/92 define os atos de improbidade administrativa e esta ocorre, com a prática de atos que ensejam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração, definidos no artigo 37, entre os quais está incluída a moralidade, ao lado da legalidade, da impessoalidade e da publicidade, além de outros que,
distribuídos por toda a Constituição, também se aplicam à condução dos negócios públicos. Por disposição legal e como regra de bom senso, a sentença de condenação por improbidade administrativa somente produzirá efeitos quando transitada em julgado, o que implica em dizer que todos os recursos têm e devem ser recebidos no chamado efeito suspensivo, o que acarreta, muitas vezes, frustração dos eleitores, pois a cada notícia de condenação de um político, parcela da população exulta com a condenação e, ao mesmo tempo, se mostra decepcionada quando verifica que, mesmo condenado, tal pessoa concorre às eleições. O prazo para ajuizamento de ação por ato de improbidade administrativa é de até 5 anos após o término do mandato, de cargo em comissão ou função de confiança.

¹ Silva, De Plácido e, Vocabulário Jurídico, pág. 416. 16ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999.

Personagem da História: OLAVO DRUMMOND, Procurador da República

“SE AOS TEUS SONHOS OUTROS SONHOS TU SOMARES SOB A ESPERA DA PRESENÇA DO IRREAL, É PORQUE ESTÁS ALÉM DOS PATAMARES DOS ARAUTOS DA FRIEZA UNIVERSAL’’
“Sonhar é preciso’’ – Olavo Drummond.

Olavo Drummond nasceu em  Araxá, Minas Gerais, em 31.08.1925. Formou-se advogado na Faculdade Federal de Direito da Universidade de Minas Gerais, atuou como jornalista e militou na política. Para falar de Olavo Drummond é preciso atenção e cuidado para que não se cometa nenhum equívoco em relação a sua brilhante carreira e não se omitam as várias áreas nas quais exerceu com brilhantismo suas funções. Iniciou sua vida profissional
como contínuo de cartório, com apenas 11 anos. Depois trabalhou como repórter e redator. Aos 20 anos ingressou no serviço público como funcionário do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, aos 29 anos entrou para a vida pública exercendo diversos cargos, dentre os quais podemos destacar a prefeitura de Araxá-MG (19972000). Foi Deputado Estadual e Federal por Minas Gerais, Procurador da Fazenda Nacional, Conselheiro do Tribunal de Contas de São Paulo, Ministro do Tribunal de Contas da União. Membro da Academia
Mineira de Letras, Olavo Drummond escreveu os livros “Noite do Tempo”, “Ensaio Geral”, “Ordens do Cardeal”, “O amor deu uma Festa” e “O vendedor de estrelas”. Olavo Drummond foi muito além do imaginado e na Capital Federal fundou o Memorial JK do qual foi curador e vice-presidente, uma das razões para ser citado na biografia e na minissérie de TV sobre a vida de Juscelino Kubitschek, de quem foi amigo pessoal. Não se pode esquecer da sua atuação como Procurador da República e os inúmeros casos em que atuou, dando destaque para o primeiro caso de impeachment de nossa República. Olavo Drummond morreu aos 80 anos em decorrência de um acidente vascular cerebral sendo homenageado por vários segmentos da sociedade brasileira.

Entenda o caso: Levantamento dos fatos que levaram ao impeachment do ex-Prefeito Oswaldo Gimenez

Nome: Oswaldo Gimenez.
Profissão: Radialista.
Atuação com Radialista: Exercia oposição ao Prefeito Pedro Dell’ Antônia com os programas “A Voz do Povo” e “Boa Noite Prefeito”.
Primeiro cargo público: Deputado Estadual e posteriormente Prefeito de Santo André.
Como era avaliado pelos servidores: Dominador e senhor absoluto do poder.
Problemas na política: Rusga com Juiz da Comarca de Santo André e com políticos locais.
Afastamento da prefeitura: Pelo prazo de 120 dias, em virtude de indignidade e improbidade no exercício do cargo.
Outros crimes do qual foi acusado: De nomeação de parentes até a não publicação de balancetes.
Postura frente às ações da Câmara: Mandado de segurança junto ao juiz de Direito da Comarca de Santo André. (Denegado)
Atuação do Ministério Público Federal no caso: Dr. Olavo Drummond se posiciona favorável ao pedido de Oswaldo Gimenez, pois segundo a Constituição de 1946 alguém só poderia perder ou ter suspensos seus direitos políticos por incapacidade absoluta ou condenação criminal, enquanto durarem seus efeitos.
Resultado da ação: Primeiro chefe do Executivo a sofrer impeachment na história do Brasil.
A vida de Oswaldo Gimenez pós política: Dedicou-se à indústria da família, posteriormente se candidatou novamente a prefeito de Santo André, sendo derrotado por Lincoln Grillo.

Fontes: Diário do Grande ABC; Seção de Arquivo Histórico do Núcleo de Documentação Histórica do Ministério Público Federal e ABCPedia.com.br.

 

CELSO2

No último dia 20 de janeiro fez 14 anos que Celso Daniel, prefeito da cidade na época, foi assassinado.
Sem vínculo político algum, o Santo André em Memória presta uma pequena homenagem a este ilustre andreense que deixou o Brasil perplexo com seu assassinato em 2002.

Celso Augusto Daniel, foi prefeito reeleito de Santo André,  e diretor-geral da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Ele coordenava o programa de governo do PT à Presidência da República em 2002(Lula).
Filiado ao PT desde 1980, foi eleito prefeito de Santo André pela primeira vez em 1989. Em 1995, foi eleito deputado federal, com mais de 90 mil votos, tendo atuação voltada principalmente para temas tributários. Deixou o cargo no ano  seguinte – 1996 –  para disputar, e vencer novamente, a prefeitura, no primeiro turno, com 205.317 votos (52,38% do total).E em 2000 foi reeleito com 70% dos votos válidos.
Professor universitário da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, desde 1982, coordenou o curso de economia dessa universidade no período de 1987 a 1989, dando aulas também no mestrado e no curso de administração pública da FGV.
Celso Augusto Daniel nasceu em 16 de abril de 1951, em Santo André. Foi formado em engenharia pela Escola de Engenharia Mauá, em São Caetano do Sul (SP), em 1973, e mestre em administração pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, em 1982.
Foi autor, entre outros títulos, de “Movimentos Sociais em Transporte Coletivo” (1988). Sua história teve fim em 20 de janeiro de 2002, quando foi assassinado em Juquitiba na Grande S.Paulo.

  Leia a seguir, a confissão de um amigo de Celso Daniel, à época de sua morte:

     “Era uma pessoa boa, séria, honesta, preparada, trabalhadora, criativa, ousada, calma, tolerante, pragmática e corajosa; para mim, o melhor quadro político deste país. 
Conheci Celso há cinco anos, em Fernão Cardim, uma pequena comunidade do subúrbio do Rio de Janeiro – uma das primeiríssimas a ser beneficiadas pelo programa Favela-Bairro.       Ele veio em companhia de Sérgio Magalhães, então Secretário Municipal de Habitação. Na época, eu tinha acabado de tomar posse como Secretário Municipal do Trabalho e Celso iniciava seu segundo mandato como Prefeito de Santo André. Ele vinha conhecer o programa porque queria implementar algo de semelhante em sua cidade. A ocasião era a inauguração da nova sede da cooperativa das costureiras da comunidade e do Posto de Orientação Urbanística e Social (POUSO). Simbolicamente, esta sede ficava em uma casa que até poucas semanas antes servia de QG do tráfico na comunidade. Içamos a bandeira e cantamos hino, era dia de festa: o poder público estava finalmente chegando onde até ali imperava a marginalidade. 
     Hoje o tráfico está de volta a Fernão Cardim e Celso está morto. Não sei por quem, não consigo entender por que. Não creio que tenha alguma coisa a ver, genericamente, com a onda de violência que assola o Estado de São Paulo e o país como um todo. Não sei quem, não sei por que, mas quiseram atingir a ele, e o que simbolizava – através do trabalho dele. 
     Celso era neto de napolitanos. Seu pai já era uma liderança de Santo André, tendo chegado à Presidência da Câmara de Vereadores. Estudou Engenharia, fez Mestrado em Administração mas dava aula de Economia; primeiro na PUC, depois na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Nunca deixou de dar aulas, por mais assoberbado que ele estivesse com seus afazeres na vida política. 
     Foi fundador do PT, em 1980. Se elegeu Prefeito, pela primeira vez, em 1988. Pegou em cheio a maior crise econômica e social da história da região do ABC, no início dos anos 90, quando combinaram-se uma brutal recessão e a abertura escancarada da economia, depois de décadas de proteção exacerbada. O desemprego estourou e os indicadores sociais foram para o beleléu. Ainda assim, fez uma boa administração, marcada pela participação na criação do Consórcio Intermunicipal para a preservação dos mananciais da região, da qual participaram outros seis prefeitos (os de São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra). Contrariamente ao que imaginam nove entre dez brasileiros, de fato, o principal ativo da região não é a indústria, mas a represa Billings e a floresta que ainda a cerca – verdadeiro pulmão da grande São Paulo. Ameaçadas pela poluição da água e do ar e pelas invasões, as áreas precisavam ser preservadas e isto não poderia ser feito pelas prefeituras isoladamente. Daí a ideia de se criar o consórcio. 
     Embora bem avaliado, não pôde concorrer à reeleição. Mas elegeu-se deputado federal, em 1994. Tomou gosto pela coisa e participou ativamente de algumas comissões, como a da Reforma Administrativa. Mas seu tesão continuava mesmo no ABC. Por volta de 1995, foi um dos instigadores do surgimento do Fórum da Cidadania do Grande ABC, onde se reuniram empresas, sindicatos de trabalhadores, ONGs, associações de moradores e outras entidades da sociedade civil para discutir as diretrizes de longo prazo da região. Esta iniciativa seria reforçada, em meados de 1996, por Emerson Kapaz, então Secretário de Indústria e Comércio do primeiro governo Mário Covas, que criou a Câmara de Desenvolvimento Local do Grande ABC, juntando o Consórcio Intermunicipal, o Fórum da Cidadania e o Governo Estadual numa única instância voltada a pensar o futuro da região. 
     Voltou à Prefeitura em 1997. Reanimou o consórcio, que tinha ficado adormecido no interregno entre seu primeiro e seu segundo governo e liderou a criação da Agência de Desenvolvimento Regional do Grande ABC, voltada à implementação prática das diretrizes  traçadas pela Câmara de Desenvolvimento Local. O plano era ambicioso: tratava-se de promover a reconversão de um território que tinha sido o principal foco da industrialização nacional no pós-guerra com base na grande indústria multinacional produtora de bens de consumo duráveis num território produtivo com uma ambiência favorável à micro e pequena empresa, não apenas na indústria mas também no comércio e nos serviços, com base numa ampla aliança entre diferentes esferas de governo, o setor privado e a sociedade civil. Com esta ideia na cabeça, ele mergulhou a fundo no estudo do modelo dos distritos industriais do nordeste da Itália e costurou parcerias internacionais com outros territórios que passaram por experiências semelhantes ao longo das últimas décadas, como o município de Sesto San Giovanni, na periferia Norte de Milão. 
     Mas foi muito além disto. Com recursos que conseguiu da Comissão Européia, alavancou um programa de “Apoio às Populações Desfavorecidas” que combina urbanização de favelas com um conjunto integrado de ações voltadas a promover a inclusão social, como o aumento da escolaridade de jovens e adultos, a educação profissional, o microcrédito, a criação de cooperativas populares, a implantação de creches, o acesso à saúde básica, etc. Em suma, um programa idêntico ao que ainda hoje acontece em algumas pequenas comunidades do Rio de Janeiro (com o mesmo nome e também com o apoio da Comissão Européia) e muito parecido com que era o Favela-Bairro até o início do ano passado. 
     Estava convencido de que as periferias das grandes metrópoles do país tinham que se tornar lugares vivíveis. Para tanto, entre outras coisas, tinham que se embelezar. Santo André passou por uma verdadeira metamorfose nos últimos anos, com os investimentos que foram realizados em paisagismo e jardinagem – em grande parte graças às frentes de trabalho que teve a coragem de organizar para amenizar as conseqüências das altíssimas taxas de desemprego que continuam assolando a região. 
     O governo dele era tão bom que se reelegeu para um terceiro mandato, em 2000, com mais de 70% dos votos no primeiro turno. Sua querida Santo André começava a ficar meio apertada para ele; todos percebiam isto. Acabaram lhe confiando a incumbência de ser o coordenador geral do programa de governo do Lula para as eleições presidenciais deste ano. Pessoalmente, teria preferido vê-lo candidato ao governo do Estado de São Paulo. 
     Celso pensava grande. Era um homem de idéias e de diálogo. Um líder natural. Botou Santo André no mapa do mundo, conseguindo recursos para seus programas de entidades tão diferentes quanto a Comissão Européia, o Banco Mundial, o BID, o PNUD, o Habitat e a Fundação Ebert (ligada ao Partido Social-Democrata Alemão). Circulava com naturalidade tanto na universidade quanto nas favelas. Seu lance não era se promover pessoalmente; era capaz de costurar alianças com políticos de outros partidos, com empresários, trabalhadores e líderes da sociedade civil em prol do interesse público de longo prazo – se colocando num segundo plano e renunciando ao retorno fácil e estéril das ações personalistas e imediatistas que tanto caracterizam a vida política em nosso país. 
     Será que foi por isto que mataram ele deste jeito?”

 

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CIDADE ASSASSINADA
(para Celso Augusto Daniel, no dia de sua morte)

Mataram Celso
madrugada fria
invernico em pleno verão
Mataram Celso
e a cidade de Santo André
a sua cidade
a cidade que o reconhecia
a cidade que o identificava
a cidade que sabia dos seus passos
recolheu a luz do dia vinte de janeiro
do ano da graça de dois mil e dois
e fez-se cinza
e chorou seu morto
como quem perde
um pedaço de si
Bandeiras brancas
lenços brancos
sentimentos em luto
percorrem a praça que foi sua
as ruas que eram suas
o Paço de onde governou
Mataram Celso
com requintes de crueldade
com ânsias de monstro
com método ignóbil
Mataram Celso
como quem manda um recado
como quem intimida pela força
como quem faz calar pela torpeza
Mataram Celso
e a cidade sente-se assassinada
a inteligência violada
o vilipêndio…
Mataram um HOMEM em pleno vôo
– seres rastejantes –
e feriram de morte uma cidade
e envergonharam um país
que está cansado de ver caídos
tantos outros HOMENS e MULHERES e CRIANÇAS
– Vidas em constante sobressalto

 

Dalila Teles Veras
Santo André, 20.1.2002

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Um salto em falso: equívoco não se confunde com amadorismo.
Humberto Pereira da Silva


Aldo Moro, primeiro ministro italiano, foi seqüestrado e morto pelas Brigadas Vermelhas em 1978. Houve intensas negociações entre os seqüestradores e as autoridades, mas o desfecho do caso foi trágico. Esse acontecimento comoveu e Itália e o mundo e está entre os acontecimentos do século passado. A lembrança do caso Moro pode ser considerada para lançarmos algumas questões sobre o infausto acontecimento de que foi vitima Celso Daniel, prefeito de Santo André, que também foi seqüestrado e executado depois do seqüestro. Guardada a semelhança do desenlace, vamos à diferença que mais salta aos olhos. Ora, a reivindicação dos seqüestradores italianos era clara, pois sua motivação era eminentemente política. Só que o caso agora é (pelo menos até o momento): simplesmente não há clareza quanto a qualquer reivindicação. O que dá margem às mais diversas especulações. Claro, de um lado, há todo o tecnicismo: polícia técnica, laudo médico… Mas, de outro, há algo que, talvez, é preciso pensar com “clareza” independentemente de qualquer motivação: qual o sentido da violência no cenário globalizado? Melhor dizendo: para além de qualquer discurso sobre a paz (invariavelmente coberto por um pacifismo meio cínico), o que se apresenta como desafio é admitir que se a violência está entranhada no cotidiano não há saída possível senão o enfrentamento.

Explico: se admitirmos que vivemos num cenário cindido, não é ocaso perguntar antes, mas sim atirar primeiro e perguntar depois. Fosse claro límpido e translúcido que temos canais firmes para combater a corrupção, para organizar um serviço de inteligência eficaz, para garantir a sincronicidade nos objetivos das ONGs e a suas respectivas ações, não haveria brecha para mal-entendido: – “Epa! Alguém fez besteira no quintal, vamos dar um puxão de orelha”. Discurso mínimo e idiota que se pode aprender em qualquer filme babaca de gangster. Pois qualquer ação mais destrambelhada, como até as formigas sabem, atrapalha os negócios. Ou seja, ou é possível conduzir o navio que está afundando até o porto ou não há mais salvação possível (unus salus victis, nullam sperare salutem: única salvação para os vencidos é não esperar salvação), para aludirmos ao famoso verso da Eneida. Se o navio está afundando, vamos ouvir, como prazer, os últimos acordes da banda em direção ao fundo do mar. Mas, bem entendido, que possamos, sem lamúrias e com uma pitada de ironia, brindar aos deuses: essa é a nossa sorte. Do contrário, para que a brincadeira tenha alguma graça, só é possível falar de violência num cenário globalizado, só é possível falar do caso Celso Daniel se se admitir que os “manos” exageraram na dose. Se o navio não está afundando com todos a bordo, então não creio haver outra saída senão o enfrentamento: os eles ou nós. Quem ficar com lero-lero sobre direitos (regras do jogo ou coisa parecida) nesse momento, está falando besteira; está se equivocando tanto quanto aqueles que supõem que os seqüestradores de Celso Daniel estavam equivocados e não sabiam quem estavam seqüestrando. Pois, para que a ação que resultou no seqüestro (dois carros, armas de grosso calibre, seqüência cinematográfica…) tenha sido obra de amadores, de alguns desavisados, então não há outra saída diferente daquela que nos conduzirá ao fundo do mar. Fora do enfrentamento, estamos nos últimos dias de Pompéia. Eis a deixa: depois da primeira dentição, não se deve acreditar em fábulas.

Humberto Pereira da Silva é Doutor em Filosofia da Educação (USP) e professor da Universidade São Judas Tadeu

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Celso Daniel foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores
“Domingo, 20 de janeiro de 2002, 15h56” 

O prefeito de Santo André, Celso Augusto Daniel, seqüestrado na noite de sexta-feira em São Paulo e encontrado morto hoje, tinha 50 anos e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Em 2000 ele disputou a reeleição à prefeitura da cidade no ABC paulista e venceu no primeiro turno com 70% dos votos.
Daniel também era coordenador da comissão que elabora o programa de governo do PT para a campanha à presidência da república nas próximas eleições e diretor-geral da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC.
O prefeito nasceu na cidade de Santo André, em 16 de abril de 1951. Era engenheiro de formação, formado pela Escola de Engenharia Mauá, em São Caetano do Sul (SP), em 1973. Seguiu carreira acadêmica e foi professor de economia da PUC e do departamento de ciências sociais da Fundação Getúlio Vargas.
Este era o terceiro mandato de Daniel na prefeitura de Santo André. O primeiro foi entre os anos de 1989-1992. Foi eleito deputado federal em 1995 com mais de 90 mil votos. No ano seguinte, deixou o cargo para vencer a eleição à prefeitura de Santo André, cargo ao qual foi reeleito em em 1999.
O petista recebeu, como prefeito de Santo André, as seguintes premiações: “Prefeito Criança” da Fundação Abrinq pelo trabalho Andrezinho Cidadão em 1999 (finalista); pela Fundação Getúlio Vargas/Fundação Ford os prêmios: Gestão Pública e Cidadania, em 1999 pelo Programa de Modernização Administrativa e em 2000 pelo Programa Integrado de Inclusão Social (destaque) e pelo trabalho de Coleta Seletiva (finalista).

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“Ruínas de Santo André da Borda do Campo”. Aquarela de Miguel Dutra.

 

São duas cidades, portanto, duas histórias.

A primeira cidade teve vida curta. Surgiu em 1550, foi oficializada em 8 de Abril de 1553 e chegou ao fim em 1560. Esta cidade era a Vila de Santo André da Borda do Campo, dos personagens João Ramalho, Cacique Tibiriçá e sua filha Bartira. Uma cidade que teve pelourinho, poder constituído, atas e que ficava num ponto do atual ABC paulista. E cuja população foi transferida para São Paulo de Piratininga, dos jesuítas do Pátio do Colégio, juntamente com toda sua documentação, representada por vários livros de atas hoje arquivados em São Paulo.

A Vila de Santo André da Borda do Campo deve ser lembrada por sua importância histórica no planalto e como uma referência do quinhentismo. Nada tem a ver, no entanto, com a segunda cidade, o Município de Santo André dos dias atuais.

Santo André de hoje nasceu no século XIX, com a passagem da Estrada de Ferro São Paulo Railway, a SPR ou Inglesa, que começou a ser construída em 1860. No ano seguinte, começou a ser formado o primeiro povoado do atual território de Santo André, denominado Alto da Serra ou Vila de Paranapiacaba. Paranapiacaba pode ter sua fase inicial dividida em três partes: 1861, data do início da formação da Vila Velha; 1862, ano em que se inicia a formação da parte alta (morro); 1898, início da formação de Vila Nova.

Paranapiacaba pode ter sua fase inicial dividida em três partes: 1861, data do início da formação da Vila Velha; 1862, ano em que se inicia a formação da parte alta (morro); 1898, início da formação de Vila Nova.

O atual centro histórico de Santo André nasce em 1867, a partir de um povoado formado muito lentamente ao redor da estação férrea São Bernardo, inaugurada naquele ano e que somente nos anos 30 do século passado viria a se chamar Santo André.

A Estação São Bernardo serviu, a princípio, à sede da Freguesia de São Bernardo, hoje centro de São Bernardo do Campo, a oito quilômetros de distância.

A Freguesia de São Bernardo abrangia, praticamente, toda a área do atual ABC e sempre teve sua sede junto ao velho Caminho do Mar, depois Estrada do Vergueiro e hoje rua Marechal Deodoro, em São Bernardo. A Freguesia foi criada em 1812, sendo elevada a município autônomo em 12 de março de 1889, sempre abrangendo toda a região do ABC.

 A denominação Santo André, em alusão à antiga e desaparecida Vila de Santo André da Borda do Campo, foi retomada apenas em 1910, com a criação do Distrito de Santo André, instalado em 18 de Abril de 1911 no então denominado Bairro da Estação, hoje centro de Santo André.

O Bairro da Estação, à época da criação do Distrito de Santo André, já se destacava como o principal pólo de industrialização do Município de São Bernardo. Atraía, ao mesmo tempo, fábricas de várias modalidades e um operariado vindo basicamente do interior do Estado. Também atraía muitos moradores da Vila de São Bernardo, em sua maioria italianos, interessados em melhores condições de trabalho no parque fabril que se formava.

A proximidade com a estação ferroviária, as terras planas ao longo do Vale do Tamanduateí, os estímulos fiscais, a facilidades de comunicação com a Baixada Santista e Capital foram alguns dos fatores que podem explicar o rápido crescimento do parque industrial de Santo André. Em poucos anos, Santo André passou a ser a maior força econômica da região, seguido por São Caetano (também servido por estação ferroviária), e só depois pela Vila de São Bernardo, sede do Município.

A força econômica, maior arrecadação, maior número de trabalhadores localizavam-se em Santo André. Mas a sede o Município continuaria na Vila de São Bernardo até 1938, quando um decreto estadual provocou duas mudanças drásticas: a troca do nome de Município de São Bernardo para Município de Santo André e a transferência da sede do Município também da Vila de São Bernardo para o Distrito de Santo André. A solenidade de troca de nome e transferência de sede ocorreu no feriado de 1 de Janeiro de 1939.

Durante seis anos todo o ABC se chamou Santo André. Em 1944 o então Distrito de São Bernardo (incluindo Diadema) obteve a emancipação político-administrativa, separando-se do Município de Santo André e sendo instalado em 1 de janeiro de 1945 com o nome de São Bernardo do Campo. Em 1948 foi a vez de São Caetano, que separava-se surgindo o C de ABC, São Caetano do Sul. Em 1953 foi a vez de Mauá e Ribeirão Pires (incluindo Rio Grande, atual Rio Grande da Serra) obterem suas independências.

Hoje o município de Santo André corresponde ao espaço central do antigo Bairro da Estação, às áreas de Utinga e Capuava e à vasta área do setor de mananciais da região Sudeste da Grande São Paulo, incluindo Paranapiacaba, Campo Grande e 18 loteamentos além da represa Billings.

Historicamente, somente em 1989 a Prefeitura assumiu, na prática, a área de mananciais, criando posteriormente o Escritório Regional da área de Mananciais, com sede no parque Represa Billings-gleba 2, inaugurado em 24 de Fevereiro de 1991, e sub-sede em Paranapiacaba, inaugurada em 8 de Março do mesmo ano.

Santo André conseguiu, no caso de Utinga, provar que a estrada de ferro nunca rompeu o território andreense, nem o dividiu.

Cruzando e acompanhando o vale do Rio Tamanduateí, os trilhos ferroviários provocaram a implantação do processo de industrialização em Santo André. As primeiras fábricas foram implantadas nos entornos da estação e as áreas próximas, de ambos os lados dos trilhos receberam os grandes loteamentos urbanos, em especial a partir dos anos 20 do século passado, quando se estabelece, nitidamente, a vocação e o perfil de uma cidade moderna, industrializada e de trabalhadores.

As grandes levas de imigrantes, a partir de antigos agricultores do interior de São Paulo, descobriram este espaço urbano e construíram a cidade. Inicia-se uma interação cultural que hoje pode explicar e descobrir a própria identidade da cidade. Uma interação onde a própria barreira física da estrada de ferro deixa de ser problema.

Na verdade, o desenrolar histórico da cidade já mostrava esta integração até antes da construção da ferrovia. A Estrada do Oratório, via penetração em direção à Zona Leste paulistana, é uma seqüência da própria malha central de Santo André, a partir do Ipiranguinha (por onde passava o histórico Caminho do Pilar), rua Senador Fláquer (do I Grupo, hoje Museu, e o reativado Cine Theatro Carlos Gomes), rua Coronel Oliveira Lima (do ramal ferroviário que demandava a São Bernardo), rua General Glicério (que abrigou uma hospedaria dos imigrantes no fim do século XIX), rua Bernardino de Campos (dos grandes comícios dos Candidatos de Prestes, Armando Mazzo à frente), estação, avenida Antonio Cardoso e estrada do Oratório.

É em torno deste eixo que a cidade se implantou, sem barreiras geográficas, ofuscada timidamente, vez ou outra, por estranhos e fisiológicos movimentos que tentam, ou tentavam, quebrar o que o antropólogo José Guilherme Magnani chama de “a lógica do pedaço”.

Fonte: Secretaria de Planejamento. Sumário de Dados de Santo André 1996 (ano base 1995).

   

CONCLUSÃO(1)  

Santo André comemora, anualmente, em 8 de abril, o aniversário da instalação oficial da Vila de Santo André da Borda do Campo e não do atual Município. Isto porque a vila quinhentista de Ramalho, formada em 1550, oficializada em 8 de abril de 1553, chegou ao fim em 1560, quando seus moradores e autoridades transferiram-se daqui para o Pátio do Colégio, na São Paulo de Piratininga;

O Município hoje, tem consciência de que sua formação, enquanto espaço urbano, que origina sua nova História, começa em 1861, quando da formação do primeiro povoado local, no Alto da Serra, primitivo nome de Paranapiacaba, parte integrante de Santo André. Até 1861, quando começa a ser formada Paranapiacaba, a região do atual Município de Santo André possuía, meramente, uma população dispersa que ocupava sítios e outras propriedades rurais, sem um sentido coletivista na concepção mais moderna do termo. Esta população, então recorria à sede da Freguesia de São Bernardo ou então à Capital da Província;

Hoje, Santo André tem também consciência de que seu território não se limita à sede e ao Distrito Capuava. Há um avanço para fora do eixo do vale do Tamanduateí, atingindo as áreas de mananciais, onde a cidade incorpora e administra bairros ao longo da represa Billings, entre os quais o Parque Represa Billings, Jardim e Parque das Graças, Jardim Joaquim Eugênio de Lima, Rio Pequeno,etc., atingindo os antigos Campo Grande e Paranapiacaba. Os escritórios da área de mananciais mostram, claramente, que Paranapiacaba, por exemplo, é Santo André, como o são os bairros do porte de uma Vila Bastos, ou Parque das Nações, estes mais centrais.

(1) Autor: 

ADEMIR MÉDICI – jornalista, membro do Grupo Independente de Pesquisadores da Memória do Grande ABC(GIPEM).  

CRIAÇÃO E DESMEMBRAMENTOS OCORRIDOS EM  SANTO ANDRÉ  

1812 – Foi criada a Freguesia de São Bernardo, por aprovação régia do bispo diocesano e por alvará de 12 de outubro. A Freguesia, espécie de distrito de São Paulo, abrangia área que não tinha limites exatos. Não equivale ao território atual da Região do Grande ABC, pois dela não fazia parte o bairro rural de São Caetano.

1890 – Foi instalado o Município de São Bernardo, abrangendo toda a área da atual Região do Grande ABC, com sede em São Bernardo.

1896 – Criação do Distrito de Paz de Ribeirão Pires (incluindo os atuais Municípios de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, parte de Mauá e o atual Distrito de Paranapiacaba).

1907 – Criado o Distrito de Paranapiacaba.

1910 – Criado o Distrito de Santo André (incluindo o atual Município de Santo André, São Caetano e parte de Mauá).

1916 – Criado o Distrito de São Caetano.

1934 – Criado o Distrito de Mauá.

1938 – O Município de São Bernardo passou a denominar-se Santo André. O Distrito Sede do Município passa a ser o Distrito de Santo André, englobando o Distrito de São Caetano, mantendo as demais divisas distritais.

1944 – O Distrito de São Bernardo é elevado à Município com a denominação de São Bernardo do Campo. A instalação do novo Município ocorreu em 1º de janeiro de 1945.

1948 – O subdistrito de São Caetano é elevado à condição de Município com a denominação de São Caetano do Sul.

1953 – O Município de Santo André, inicialmente termo da Comarca de São Paulo, obteve pela Lei nº 2.420 de 18/12/1953 sua autonomia jurídica, criando assim a Comarca de Santo André.

1954 – Os distritos de Mauá e Ribeirão Pires (incluindo o atual Município de Rio Grande da Serra), são elevados à condição de Município.

1958 – É criado o Município de Diadema.

1963 – É criado o Município de Rio Grande da Serra.

1985 – Em parte da área do 2º  Subdistrito é criado o Distrito de Capuava.

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Conhecido popularmente como Cemitério de Paranapiacaba, fica localizado na Estrada de Paranapiacaba, s/nº, Distrito de Paranapiacaba em Santo André. O cemitério foi fundado em 25 de Julho de 1890, em uma área de 20.000 m² aproximadamente, com 600 Jazigos de concessão perpétua construídos. Este cemitério foi construído pelos Ingleses, que na época construíam e trabalhavam na estrada de ferro. Na época ocorreu uma epidemia muito forte que levou a óbito de centenas destes operários, que estando longe de seus lares eram ali sepultados. Foi tombado como patrimônio histórico pelo Município, pois seus jazigos são em sua grande maioria construções bastante antigas datadas daquela época.

E Paranapiacaba ganha o seu cemitério: era 1890…

O Cemitério Bom Jesus, em Paranapiacaba é o mais antigo cemitério do Grande ABC dos que continuam em atividade. Existe pelo menos desde 1890. Em 1975, o jornal “Diário do Grande ABC, entrevistava o ex-vereador João Dias Carrasqueira Filho (1910-1997), chamado de subprefeito honorário de Paranapiacaba. Carrasqueira dizia: muitos dos restos mortais sepultados no cemitério local deviam ser de ingleses que construíram a Vila de Paranapiacaba e a estrada de ferro. A reportagem constatava que vários jazigos em Paranapiacaba eram de pedra com data do século 19 e dizeres em italiano, estavam desaparecendo, pela ação do tempo. O primeiro pedido  feito pelos empreendedores ingleses da “São Paulo Railway, foi a construção de um cemitério, devido ao local inóspito e o trabalho de risco. Como haviam cerca de cinco mil homens circulando pelo local, era preciso se prevenir. Para acontecer a construção do cemitério, era preciso que o bispo de São Paulo autorizasse, só que para isso ele fez uma exigência: Que só católicos fossem sepultado ali.

“… Seja cemitério dos catholicos eternamente separados dos protestantes ingleses a fim de poder ser bendito e assim prestar-se ao enterramento sem profanação dos fieis catholicos.” – Disse o Bispo. (Castilho, 1998 p, 45).

Coube aos ingleses protestantes, que por sinal era a minoria da população, que fossem enterrados em outros locais como, por exemplo, na cidade de São Paulo. Esta informação contradiz o que foi dito no texto acima sobre o fato de o cemitério ter muitos ingleses enterrados lá. Até porque a maioria dos imigrantes eram de portugueses, italianos e dos próprios brasileiros.

Curiosidades:

* Quando o túmulo apresentava duas cruzes, era sinal de que funcionários da ferrovia haviam morrido no mesmo acidente. Então a companhia prestava sua homenagem.

* A capela que existe dentro do cemitério, construída entre 1909/1949 (não se tem certeza da data), além de velar seus mortos, também servia para se fazer autópsias no corpo dos acidentados na ferrovia. Nesse caso, era necessário vir um médico legista de Santo André. Depois de feita a autópsia, o corpo era enterrado no próprio cemitério.

* No cemitério há uma lápide com uma história trágica. Um menino acabou sendo morto pelo próprio pai, quando este se assustou com um barulho vindo do meio da mata fechada, atirando no garoto pensando ser algum animal.

* O cemitério possui um túmulo que pertence à família da atriz andreense Sônia Guedes.

 

 

     O arruamento e início das vendas dos lotes da Cidade São Jorge, em 1960, marca o início do processo de urbanização desta unidade de planejamento de Santo André. Os demais loteamentos virão apenas nos anos 1980, década da ocupação história do conjunto residencial Centreville, financiado pela Caixa Econômica Federal e que encontrava-se semi abandonado. Os anos 1990 assinalaram a interversão oficial da área, quando a Prefeitura inaugura a política de planejamento de bairro no pedaço: o conjunto da população se transformava em agente de planejamento e toda interferência do poder público era feita a partir de amplas discussões populares, o Orçamento Participativo.
Toda a área, historicamente, era a parte remanescente do antigo Sítio dos Ribeiro, conhecido também por Sítio Cassaquera, registrado na Paróquia de São Bernardo desde 1856. O sítio pertencia à família Thon desde o início do século passado.

Início dos anos 1960. Primeira missa rezada na casa do Sr. Salvador, na Cidade São Jorge.

                                             Início dos anos 1960, primeira missa rezada na casa do Sr. Salvador, na Cidade São Jorge.

     A região era muito procurada para a caçadas, a ponto de seus proprietários, Homero Thon Filho e Luciano Thon, solicitarem, em 1949, a interdição da área para a prática da caçadas. A solicitação foi atendida pela Secretaria de Agricultura.
Os lotes de Cidade São Jorge mediam 250 m² e foram vendidos rapidamente. Isso resultou em pressão dos loteadores sobre os compradores. Queriam, os antigos donos, que as prestações fossem reajustadas. Não houve acordo, já que os compradores cumpriam as exigências dos contratos, o que gerou ameaças dos proprietários.
A SAB (Sociedade Amigos do Bairro) de Cidade São Jorge foi criada em 1962 e os melhoramentos demoraram, inclusive a extensão da energia elétrica. A SAB não prosperou, inicialmente. Foi desativada em 1970 e só reativada nove anos depois.
Dos loteamentos mais recentes, o Santo Antônio de Pádua, também integrante do antigo Sítio dos Ribeiro, foi o primeiro a ser instituído, na virada dos anos 1970 para 1980. A seguir vieram o Parque Gerassi, Marajoara I e II e Marek, todos dos anos 1980. Já o Centreville, cujas casas e sobrados começaram a ser erguidos nos anos 1970, sofreu duas ocupações: em 16 de junho de 1982 e em 12 de fevereiro de 1983.
O caso Centreville, mostrou a eficiência de um instrumento inaugurado pelos trabalhadores metalúrgicos do ABC nas célebres greves de 1978 em diante:a Rádio Peão. Foram feitas reuniões preparatórias em São Bernardo, em São Caetano, em Mauá e outras cidades. Reuniões sempre com a presença de 200 trabalhadores ou mais. Nunca vazou nenhuma informação. A primeira notícia pela grande imprensa somente foi dada no dia seguinte ao da primeira ocupação. Vitória da Rádio Peão.


 “O que me marcava mais nestas reuniões era a emoção de ver todo aquele pessoal precisando de um teto decente pra morar e ter que tá pagando aluguel, ter que estar se virando em favelas. Então você no contato com essas pessoas…até hoje me arrepio todo quando falo. Essa emoção, aquela empolgação, te arrepiava todinho. Fora de série”  – depoimento de Dimar Carlos Rosa, um dos ocupantes do Centreville.

Hoje a população do Centreville e dos novos loteamentos ao redor está organizada em associações representativas que discutem com a prefeitura e outros órgãos o futuro do local. Foi assim que nasceu e prosperou o projeto do Marek, Marajoara e Gerassi do planejamento de bairro, inaugurado oficialmente em 1º de setembro de 1991.
As intervenções ocorridas na área quebraram a tradição adotada nas administrações anteriores. Antes, a cidade era pensada e produzida como o local, por excelência, da reprodução de capital, das realizações econômicas. Dava-se espaço à produção e à circulação de mercadorias.
A Prefeitura ao intervir na área do Marek, Marajoara e Gerassi, privilegiou o pedestre. Isto se descortina nos pequenos detalhes. As ruas mais largas ganharam ilhas, para impedir atropelamentos e para disciplinar o tráfego de veículos.
Nesta mesma região, o moradores na época discutiam junto á Prefeitura um projeto para a criação do Parque Guaraciaba, ao redor de um lago em terras do antigo Sertão dos Beber, formado a partir de portos de areia escavados até 1983. Este ganhou o apelido de Tancão da Morte, em razão dos sucessivos afogamentos verificados em suas águas, em especial no período do calor.
Forte movimento popular foi iniciado em 1988 por setores organizados dos lotes ao redor. Os manifestantes exigiam providências das autoridades para se evitar novas mortes. A Prefeitura discutiu o assunto com a própria população e decidiu-se abrir concurso nacional para a escolha de projeto de estudos preliminares do futuro parque. Foi vencedor o arquiteto paulista Zeuler Rocha Mello de Almeida, que preservou no seu projeto toda a área verde do parque e o lago de 40 mil metros quadrados. O parque foi entregue á população em 08 de abril de 1992, nas festividades de 439 anos da cidade.

Celso Daniel                   O prefeito Celso Daniel discursa durante a festa de inauguração do Parque Guaraciaba, em 08/04/1992. Foto: Augusto R. Coelho.

     Infelizmente o Parque Guaraciaba foi desativado alguns anos depois. Mesmo com o seu fechamento ao público, no dia 29 de Janeiro de 2014, o “Tancão da Morte” ganhou destaque nacional nos principais meios de comunicação, por conta do afogamento de cinco adolescentes com idades entre 12 e 17 anos. Na ocasião do acidente, o Prefeito Carlos Grana chegou a cogitar a hipótese de se aterrar o lago.

Scanner_20151101 (3) O Parque Guaraciaba já implantado neste foto de 1992, recebe seus primeiros frequentadores. Foto: Augusto R. Coelho.

Fontes: Rede Bom Dia, livro “A história de Santo André contada por seus personagens”, de Ademir Medici.

O primeiro documento referente ao velho sítio Jaçatuba data de abril de 1856, quando a propriedade pertencia a João José Barbosa Ortiz, que o herdara do pai, tenente Francisco Barbosa Ortis. Era um sítio de grandes dimensões, e englobava os atuais Parque Jaçatuba, Parque João Ramalho, Parque Erasmo Assunção, Vila Bartira, Vila São Pedro, Vila Curuçá, Jardim Alzira Fanco, Jardim Nice eJardim Monte Líbano.

Erasmo Assumpção, um grande proprietário de terras andreenses, adquiriu uma parte do sítio Jaçatuba em 1915. A outra metade foi adquirida por José Augusto Leite Franco em 1922. Os proprietários Antonio e Erasmo Assumpção possuíam outras áreas na cidade que, ao serem loteadas, deram origem aos bairros Vila Assunção, Paraíso, Jardim Assunção, Parque Erasmo Assunção,  Vila Curuçá, entre outros.

O Haras Jaçatuba foi implantado por volta de 1918 foi o segundo da cidade. O nome haras citado em vários registros históricos, prende-se à criação de cavalos que a família Assumpção ali mantinha.  Funcionou até meados da década de 1950. Ali, eram criados cavalos de corrida da raça puro sangue inglês, esses ganharam vários prêmios.Um dos cavalos preferidos da família chamava-se Curuçá. Depois o nome foi emprestado à Vila Curuçá, o primeiro loteamento urbano local, aberto em 1925.

A área da Chácara foi desapropriada para ser transformada no Parque Regional da Criança Palhaço Estremilique, inaugurado em 1980. Atualmente as casas pertencidas à família Assumpção, abrigam a Escola Municipal de iniciação Artística Aron Feldman.

No Haras Jaçatuba estava localizada a casa-sede da família Assumpção, que ali passavam finais de semana e temporadas de férias.  como pode-se ver nas fotos á seguir.

Vista externa da casa-sede do Haras Jaçatuba em foto da década de 1930.

Vista externa da casa-sede do Haras Jaçatuba em foto da década de 1930.

Vista interna de um dos cômodos da casa-sede do Haras Jaçatuba em foto da década de 1930.

Vista interna de um dos cômodos da casa-sede do Haras Jaçatuba em foto da década de 1930.

Imagem aérea de 1958, mostra o entorno do que foi o Haras Jaçatuba(ao centro).

Imagem aérea de 1958, mostra o entorno do que foi o Haras Jaçatuba(ao centro).

Imagem aérea de 1958, com destaque para o Haras Jaçatuba, já desativado nesta época.

Imagem aérea de 1958, mostra o Haras Jaçatuba, já desativado nesta época. Em destaque a casa-sede.

Haviam duas casas existentes no Haras, a maior servia para uso da família e a menor, para os hóspedes. A área da Chácara foi desapropriada para ser transformada no Parque Regional da Criança Palhaço Estremilique, inaugurado em 1980.

Casa-sede do antigo Haras Jaçatuba, hoje Escola Municipal.

Casa-sede do antigo Haras Jaçatuba, hoje Escola Municipal.

A entrada do parque  se dá pela Avenida Itamarati, número 536, a poucos metros do estádio Jaçatuba, sede do Esporte Clube Santo André.  As casas pertencidas à família Assumpção, abrigam a EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) Aron Feldman.

Primeiro gol profissional de Pelé foi  no dia 07 de setembro de 1956. No Corinthians Futebol Clube de Santo André.
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Na foto, o jogador aparece em destaque. Crédito da foto: Wesley Miranda

Muitos  moradores de Santo André não sabem que o rei do futebol, Pelé,  marcou o seu primeiro gol profissional em um clube andreense, o  Corinthians Futebol Clube de Santo André. Além da sua história com doze edições disputadas no Campeonato Paulista, o clube ficou conhecido pelo gol de Pelé, conhecido como Gasolina na época, marcado em um dos campos do Corinthians.

O gol aconteceu às 16h34m do dia 7  de setembro de 1956, quando, em uma promoção da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de Santo André, o Santos enfrentou amistosamente o Corinthians Futebol Clube. Não houve cobrança de ingressos, e o placar final foi de 7 a 1 para o time santista. O diretor geral de esportes do Clube, José Orlando de Moura, afirma que “o gol de Pelé aqui só nos deu mais credibilidade. O Clube Corinthians tem orgulho de se destacar por isso”.

As equipes escalaram os seguintes jogadores:

Corinthians F. C. de Santo André: Antoninho (Zaluar), Bugre (Mario) e Chicão (Dati); Mendes, Zito e Tonico; Vilmar, Cica e Teleco (Odilio); Rubens e Doré.
Técnico: Jaú.

Santos F.C.: Manga, Hélvio e Ivan (Cássio); Ramiro (Fioti), Urubatão e Zito (Feijó); Alfredinho, Alvaro (Raimundinho) e Del Vecchio (Pelé); Jair e Tite.
Técnico: Lula.

Nelson Cerchiari foi o representante da Liga de Santo André, e responsável para elaborar a súmula daquele jogo (imagem abaixo).

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Súmula do jogo entre Santos F. C. e Corinthians F. C. de Santo André.

Nelson anotava atentamente os gols e as substituições, até que em determinado momento já no segundo tempo, alguém falou:

“- O Del Vecchio vai sair!”
Nelson olhou quem ia entrar e não o reconheceu:
“-Quem é aquele escurinho? Vai lá no banco e pergunta!”
Após a verificação, Nelson obteve a seguinte resposta:
“-Joga no juvenil. O nome do guri é Pelé.”

O goleiro Zaluar, na data do jogo com o Santos, estava com 30 anos e sentia que sua carreira estava chegando ao fim.

Chegou a jogar nas seleções sergipana e baiana e perambulou por vários clubes sem se destacar em nenhum. Em 1972, Zaluar em entrevista, descreveu o lance do gol do Pelé, da seguinte maneira:

“- Eu tinha condições de defender aquela bola. Quando o Jair lançou o guri, gritei para o Mario (zagueiro) fazer a cobertura. Ele levou um chapéu e num segundo o Pelé estava diante de mim. Poderia ter entrado duro mas não tive coragem ao ver aquelas canelas finas do garoto. Pelé balançou o corpo para a direita e depois para a esquerda e quando eu dei por mim, ele já tinha tocado a bola no meio de minhas pernas!”

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Zaluar Torres Rodrigues (1926 – 1995), aos 46 anos.

Era o sexto gol do Santos na partida. Ninguém abraçou Pelé, que apanhou a bola dentro da meta e a levou debaixo do braço para o grande circulo.

Inicialmente Zaluar ficou chateado por levar o gol no meio das pernas, porém com o tempo e com a fama do Pelé,  ficou orgulhoso com o ocorrido e até seus últimos dias, distribuía seus cartões de visita destacando o fato de ter levado o primeiro gol do Rei.

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Fonte:  Jornal Assunção – Ed.01 de 2014  – Universidade Metodista de São Paulo e  Blog Célio Pegoraro

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Agradecemos a  sua compreensão!    😉

 

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